18/06/2014

Sabe qual é a diferença entre surdez e deficiência auditiva?

(imagem retirada da internet)

Deficiência Auditiva

O conceito de deficiência auditiva reflete, segundo Behares (1993) citado em Dorziat (s.d.), uma visão médico-organicista em que a pessoa com perda auditiva é encarada como um portador de doença. Neste sentido, para que os efeitos da doença possam ser extintos, é necessário tratar a deficiência que se encontra subjacente. De acordo com esta visão, o tipo e o grau de perda auditiva presente no diagnóstico clínico são fatores primordiais para o encaminhamento educacional do indivíduo, bem como para as expectativas sobre o desenvolvimento da linguagem (Dorziat, s.d.).
Existem diferentes graus de deficiência auditiva (leve, moderada, severa e profunda) que diferem em função da perda auditiva e das características da pessoa, o que faz com que se adotem diferentes atuações clínicas e educacionais (Dorziat, s.d.; Medeiros, Gianini, Gomes & Batista, 2005)
A condição de deficiência leva o indivíduo a ficar isolado de uma variedade de contextos sociais. Isto acontece, mais propriamente, quando há uma perceção clínica de que não é possível tratar essa mesma deficiência auditiva (Inácio, s.d.). Este conceito está relacionado com a utilização de procedimentos que visam adaptar o indivíduo com perda auditiva aos meios de comunicação utilizados pela sociedade, nomeadamente a fala (Dorziat, s.d.). Assim, a pessoa com deficiência auditiva faz parte de uma comunidade minoritária, pelo que se torna pertinente criar novas práticas no sentido de a incluir socialmente. Desta forma, é necessário analisar os preconceitos e os estigmas para que a sociedade consiga conviver com a diferença (Ribeiro & Netto, 2009).
Em suma, consoante a definição de deficiência auditiva não são valorizados os contextos psicossociais e culturais nos quais a pessoa com perda auditiva se desenvolve, nem a própria experiência do indivíduo (Sá, 2006).

Surdez

No ano de 1993, Behares realçou a necessidade de olhar para os indivíduos com défice auditivo através de uma perspetiva sociocultural. Este autor define surdez como «uma entidade cultural. Tanto que tem sua história, ou seja, evolui e se modifica como qualquer outro objecto cultural.» (Medeiros, Gianini, Gomes & Batista, 2005). Desta forma, o termo surdo seria o que melhor definiria uma pessoa com défice auditivo, visto que esta é a expressão utilizada pelos próprios para se referirem a si mesmos, enquanto pessoas com características psicoculturais próprias (Dorziat, s.d.).
A surdez é uma identidade múltipla que se encontra dentro da temática da deficiência, mas que é politicamente reconhecida como uma diferença (Skliar, 1998). Desta forma, os surdos pertencem a uma comunidade com uma cultura e língua próprias (Inácio, s.d.). Assim, os surdos ou Surdos (como proposto por diversos autores) são pessoas que não se veem como deficientes, utilizam uma língua específica (Língua Gestual Portuguesa), valorizam a sua arte e literatura e propõem indicações específicas para a educação das crianças surdas (Bisol & Valentini, 2011).
Todos os aspetos supracitados são englobados na cultura surda. Nesta é defendida a existência de uma cultura visual, sendo que a informação é recebida e traduzida de forma visual. Para a sua afirmação, existem, em vários locais, organizações e coletividades surdas que se regem de regras e princípios nos quais, em casos mais restritos, não é permitida a participação de ouvintes (Quadros, 2003).
Sendo a língua uma das características fundamentais para a pertença à cultura dos surdos é imprescindível a sua aprendizagem por surdos. A língua dos sinais que, em Portugal é denominada por Língua Gestual Portuguesa [LGP], possui regras próprias a vários níveis (fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático) e é utilizada como outra língua qualquer. No entanto, esta forma de comunicar não foi sempre reconhecida como uma língua. Para o reconhecimento ao direito de utilizar a língua gestual é necessária uma aquisição da linguagem e a conceptualização da língua como um meio para a interação social, cultural, política e educacional, sendo parte do sujeito. Porém, alguns surdos utilizadores de LGP possuem a língua portuguesa como uma segunda língua (Quadros, 2003). Esta aprendizagem vai ao encontro de facilitar a troca de informações entre indivíduos ouvintes e surdos (Quadros, 2003; Sá, 1999 cit in Inácio, s.d.).
Outro ponto sustentado pela cultura surda é a defesa de diversos princípios para a educação de crianças surdas. Do ponto de vista escolar, as crianças surdas são reconhecidas, pelos membros da sua comunidade, como crianças que estão a exercer os seus direitos civis de acesso à educação (Princípio 7.º: «a criança tem direito à educação (…). Deve ser-lhe ministrada uma educação que promova a sua cultura e lhe permita (…) tornar-se um membro útil à sociedade» [UNICEF, 1959]). Esta perspetiva é contrária àquela onde as crianças surdas são caracterizadas como crianças que necessitam de um apoio específico (Quadros, 2003).
Tendo por base o exposto, constata-se que o termo surdez tem uma extensão social em que a perda auditiva é apenas um fator médico e que não interfere no seu crescimento enquanto pessoa nem na sua relação com os outros (Dorziat, s.d.).

Que termo deve o terapeuta da fala utilizar?


Sendo a surdez uma área de intervenção de Terapia da Fala, é necessário o terapeuta ter conhecimento da diferença entre os conceitos e quando e a quem é mais adequado aplicar cada um deles. Contudo, a melhor decisão a tomar é perguntar à pessoa com quem se trabalha qual o termo que prefere utilizar, pois a sua utilização depende, em grande parte, da conceptualização da pessoa e do seu problema. Para isso, o terapeuta deverá abordar a família e expor os seus conhecimentos, de forma imparcial, face aos termos que são comummente utilizados, ou seja, deverá explicar os conceitos que pode encontrar nas suas pesquisa e nos pré-conceitos da sociedade (o termo “mouco” é ainda utilizado frequentemente na sociedade). Além disso, é importante considerar o termo que os cuidadores usam quando se referem à pessoa com perda auditiva e, caso seja o seu desejo, indicar locais onde pode encontrar informação sobre os conceitos e os seus pressupostos.

Bibliografia
·         Bisol, C. & Valentini, C. (2011). Surdez e Deficiência Auditiva – qual a diferença. Objecto de Aprendizagem INCLUIR. Acedido em 14 de junho de 2014, em: http://www.grupoelri.com.br/Incluir/downloads/OA_SURDEZ_Surdez_X_Def_Audit_Texto.pdf;
·         Dorziat, A. (s.d.). Deficiente auditivo e surdo: uma reflexão sobre as concepções subjacentes ao uso dos termos. Acedido em 13 de junho de 2014, em: http://www.nre.seed.pr.gov.br/londrina/arquivos/File/6encontrogesurdezdeein.pdf;
·         Inácio, W. (s.d.). A inclusão escolar do deficiente auditivo: contribuições para o debate educacional. Acedido em 10 de junho de 2014, em: http://saci.org.br/imagens/textos/arqs/incluescolarsurdo.pdf;
·         Medeiros, L., Gianini, E., Gomes, M. & Batista, W. (2005). Desenvolvimento de brinquedos pedagógicos para crianças surdas. Acedido em 10 de junho de 2014, em: http://www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/midiateca_artigos/pratica_ensino_educacao_surdos/texto61.pdf;
·         Quadros, R. (2003). Situando as diferenças implicadas na educação de surdos: inclusão/exclusão. Ponto de Vista, 5, pp. 81-111. Ribeiro, E. & Netto, R. (2009). A Inclusão e os Deficientes Auditivos. Revista Interfaces: ensino, pesquisa e extensão, 1 (1), 8-9.
·         Ribeiro, E. & Netto, R. (2009). A Inclusão e os Deficientes Auditivos. Revista Interfaces: ensino, pesquisa e extensão, 1 (1), 8-9;
·         Sá, N. (2006). Os Estudos Surdos. In: Sá, N. (Org.), Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas.
·         Skliar, C. (1998). Bilinguismo e biculturalismo: Uma análise sobre as narrativas tradicionais na educação dos surdos. Revista Brasileira da Educação, 8, pp. 44-57.
·         UNICEF. (1959). Declaração Universal dos Direitos da Criança. Acedido em 14 de junho de 2014, em: http://www.ie.uminho.pt/Uploads/NEDH/declaracao_universal_direitos_crianca.pdf. 

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